"As Imagens de Constança Lucas Não se deve omitir uma invenção recente, pois, quando não com ouro e prata, pelo menos com bronze se consagram nas bibliotecas aqueles cujas almas imortais ainda falam nesses lugares; chega-se a fabular os que não têm imagens, e o pesar engendra as que não foram transmitidas, como aconteceu com Homero (História Natural, Livro XXXV, II, 9-10). Adiante, Plínio, o Velho traz Asinius Pollion instituindo a primeira biblioteca romana, gesto porventura precedido pelos monarcas de Alexandria e Pérgamo, postos, por sua vez, a disputar a primazia do ato. O argumento epidítico da autoria alinha-se com outros, que distinguem o retrato como presentificação do ausente, não em termos metafísicos de representação, mas nos políticos de coisa pública. A contribuição para a república sustém os engenhos na biblioteca, os quais vencem a morte na exposição de seus retratos. A correspondência entre escritores e livros mostra-se na livraria da Universidade, a universalidade da política romana estando deslocada. Sem descontinuar a história pliniana, infletido-a na disseminação de escritores de língua portuguesa na livraria, Constança Lucas reúne as flores modernas do ramo latino em lugar público. Seus retratos tornam presentes os escritores que falam além dos textos, nas imagens. Os traços, não sendo de metal, nem, tampouco, de pintura, não rompem com as artes de Plínio: as efígies da linguagem digital, seguindo a pauta antiga da semelhança, abrem um novo ramalhete da imago latina, antologia que corresponde, para lá das discriminações do tempo, à da língua. Flores nossas contemporâneas, os retratos de Constança estendem, contudo, o tempo de Plínio, cujas artes, conquanto mantidas como vetores discursivos, dilatam-se figurativamente: as imagens ulteriores, do Baixo Império e, depois, dos assim chamados “românico” e “bizantino”, ampliando as plinianas, são efetuadas por Constança, e, já revelador ato impensado, suas caixas remontam as dos ícones. Planares, sumários, os escritores de Constança dispensam a luz e perspectiva de Plínio, sem cair do vetor antigo. A imagem digital, com estender a imagem antiga, é coerente com os livros, também eles confiados ao computador, estabelecendo-se paralelismo entre as duas figurações e as duas escrituras; a multiplicidade e reprodutibilidade da técnica digital não contradiz a unicidade e singularidade da manual, pois as imagens e os discursos de cada um dos dois universos são homogêneos. Ligados pelos mesmos fios, esses universos, porque paralelos, desenham entretanto o desassossego." Leon Kossovitch |
Texto de Leon Kossovitch
Texto sobre a exposição
Constança Lucas
Tenho pesquisado a palavra como desenho e a palavra como imagem, a palavra como desestabilizadora dos sentidos comuns, assim como a palavra desenhada na reinvenção do mundo.
Tenho em mim a Poesia como encontro, ligação dos traços, dos sons, dos perfumes, encontro de palavras e imagens escolhidas pela necessidade de reconhecimento do sensível.
Ao longo da história da humanidade os poetas participam da vida, do cotidiano, são seres sensíveis e pensantes que reagem à realidade inóspita pelos caminhos do sonho.
Fernando pessoa dizia “sigo o curso dos meus sonhos, fazendo das imagens degraus para outras imagens...” (Livro do Desassossego)
O desenho é a forma mais envolvente de vida, ao desenharmos adquirimos maior conhecimento. Desenhar os poetas pelos quais sinto aproximação poética é uma maneira de os conhecer mais profundamente, criar encontros vários e inventivos. Cada olhar tem uma força própria, é um poema em si mesmo, desenho os olhares, os retratos dos poetas cujos poemas vivem em mim.
Expor os desenhos / retratos dos poetas faz-se urgente que seja no meio de livros, nas estantes perto dos poemas - no seu habitat – a palavra – o poema – o livro - a biblioteca - a livraria.
Em 2008 dezoito destes desenhos digitais dos poetas estiveram expostos na Livraria Alpharrabio em Santo André, e na Livraria Cultura do Conjunto Nacional na av Paulista.
De 13 de abril a 12 de junho de 2010 vinte seis desenhos digitais / retratos dos poetas: Ana Cristina Cesar, Antonio Gedeão, Antonio Ramos Rosa, Camilo Pessanha, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Clarice Lispector, Eugénio de Andrade, Dalila Teles Veras, Fernando Pessoa, Florbela Espanca, Herberto Hélder, Irene Lisboa, João Guimarães Rosa, Jorge de Sena, Luiza Neto Jorge, Manoel de Barros, Mário de Sá-Carneiro, Mario Quintana, Matilde Rosa Araújo, Ruy Belo, Sophia de Mello Breyner, Torquato Neto e Zeca Afonso, estarão expostos na Livraria João Alexandre Barbosa - Cidade Universitária - USP
Muitos poetas e seus poemas talvez sejam pouco conhecidos dos leitores brasileiros, mas é na construção destas pontes que há a possibilidade de uma partilha poética pelo idioma que nos é comum, com as suas deliciosas diversidades, e pelo desenho que é universal.
Constança Lucas
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